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A PAZ SÓ VIRÁ DA CONCERTAÇÃO ENTRE ANGOLANOS 

A palestra do académico norte americano, Sr. Gerard Bender, proferida na sala da Universidade Católica de Angola e transmitida pela Radio Ecclésia, foi percebida e classificada por pacifistas angolanos, como uma intervenção indutória, protagonizada com extrema arrogância, porque proferida com total falta de respeito, pelos legítimos anseios por uma reconciliação completa e dignificante de todas as partes. É arrogância pretender ver mais e melhor que todos, para com ligeireza considerar uma ilusão, as propostas de dialogo da sociedade civil, a que aderem importantes sectores da inteligência nacional. 

A coberto de uma desinibida "critica construtiva", dirigida aqueles que detêm o poder político, com a tripla função de (i) fundamentar a indução, (ii)chamar a atenção do poder político, sobre a sua inadequada opção estratégica, arrogância e incompetência, assim como de (iii) desclassificar e baralhar a inteligência civil pacifista angolana, com a sugestão de uma solução estratégica que, para fim milagroso dos nossos problemas, se resumiria em retirar a base social de apoio à rebelião, refinando o exercício administrativo e dourando a humilhação dos vencidos, com melhorias económicas e sociais. Será possível? 

Conhecendo o "aparelho" como conhecemos e considerando o acompanhamento do caso angolano feito pelo Sr. Bender, não acredito que não tenha percebido ainda, que a opção estratégica, a arrogância, a incompetência e a sustentação de quadros/empecilhos pelo actual poder político, tem raízes profundas na sua génese estrutural e que, o seu exercício actual é a inevitável reprodução da sua ordem natural. Ou será que não soube dos resultados de: rectificações, reajustamentos e novas vidas? 

Considerado por alguns, como um especialista do caso angolano, o académico Gerard Bender, em função da sua análise e sugestões, revela que: (a) ou é vítima de uma grave cegueira intelectual; (b) ou que não aprofundou a sua análise sobre o caso angolano e (c) ou que, a sua intervenção eventualmente não é descomprometida, o que a confirmar-se seria mais grave. A "sua tese" é inconsistente, porque despida do rigor cientifico a que um académico do seu nível se deveria obrigar, por ética e por disciplina. 

Sr. Bender, também é arrogância, pretender que consideremos ser a obsessão pelo poder, do líder da rebelião armada, a única obsessão pelo poder que, inviabilizou acordos anteriores e que consideremos já e com toda a certeza, que essa obsessão impedirá, o sucesso de ainda nem sequer esboçadas, soluções pacifistas de concertação nacional inclusivas e que, portanto só nos resta como solução, adoptar estratégias de pacificação, voltadas para a subjugação "oleada" da sua base popular de apoio. Será que assim estaria tudo bem, porque satisfeita a obsessão pelo poder dos que o detêm? Será que, ainda que essa estratégia reduzisse a contestação violenta do poder, estariam eliminadas as p! rofundas causas da guerra? Ou pretende que conservemos em incubação o vírus do conflito? 

Também é arrogância, associada à falta de honestidade política e intelectual, pretender desviar os angolanos e o movimento pacifista da sociedade civil, da pressão exercida sobre os actores da guerra, para a realização de um dialogo angolano inclusivo, considerando essa via como idealista, porque entre outras provas, ficou demonstrada por registos áudio visuais capturados, que Savimbi só será satisfeito com a Presidência da Republica. Ainda que assim seja, considera que não temos inteligência e criatividade para, de modo estrutural contornarmos essa e outras obsessões? 

Porque já suficientemente provado que, só pela guerra não se alcança a Paz e como a via do dialogo é uma ilusão da sociedade civil, o Sr. Bender, pretendeu levar-nos a concluir que: só nos resta a "via militar mitigada", inevitavelmente caracterizada pela continuidade duma humilhante e repressiva estruturação do controle político, realizada desta feita por uma acção económica, social e psicológica, do tipo sanzalas da paz spinolistas de triste memória. Livre de quadros/empecilhos que, concordamos, acabam por ser bons "soldados de Savimbi", essa estratégia subjugante, seria então implementada por um administração optimizada. É essa a solução fadada para o sucesso? de quem? É essa a via que propõe para construirmos um futuro! condigno para todos? 

O Sr Bender, parece não saber que, na Guiné-Bissau o resultado final do spinolismo foi uma frustração militarista pidesca. A Guiné Bissau foi a única ex colónia portuguesa que, proclamou a independência nas zonas libertadas, com mais de dois terços do território controlado pela guerrilha. Na Guiné- Bissau os colonialistas foram quase totalmente sitiados. A sua aviação de guerra estava no chão, poisada como galinhas mijadas, se levantassem caíam abatidas pelos mísseis portáteis que o povo baptizou de strela. Na Guiné-Bissau nem o aeroporto de Bissalanca na capital ficou livre de ataques da guerrilha. Na Guiné-Bissau do general Spinola, os portugueses sofreram a derrota militar mai! s importante infligida por uma guerrilha anti-colonial. 

Na fase final da guerra, Spinola era um homem frustrado à procura de rumos reaccionários alternativos! É isso que propõe a Eduardo dos Santos, em nome da sua obsessão pela eliminação política de Savimbi? Não esqueçamos que Spinola estava em campanha no ultramar e tinha em Portugal o seu ponto zero. Qual é o ponto zero dos chefes das duas partes angolanas em guerra? Dez palmos de terra por cima? A prisão? O exílio? Ou a redutora resignação à insignificância política? Convenhamos que, não se encoraja ninguém ao abandono da via belicista, com essas expectativas. Não será que o mais ajuizado e harmonizante, é sugerirem-se saídas mais dignificantes para todos? 

Na guiné-Bissau com a sua "psicó-estratégia" económica e social concentracionária, de sanzalas da paz, o objectivo falhado, não era o fim do colonialismo que, este sim, foi o objectivo vitorioso de Cabral e dos nacionalistas de Cabo Verde e da Guiná-Bissau. Sendo hoje a reconciliação por via da concertação nacional, a principal meta dos angolanos pacifistas, será que, a prazo resultará vitoriosa, uma estratégia que não a vise como meta dos cidadãos e povos angolanos? 

É extremamente suspeita, a intervenção indutora que arremessou aos angolanos, à laia de sugestão para pacificarmos o nosso futuro. Sr Bender, a nossa consciência pacifista não será desviada. Há muito sabemos que, a solução do conflito militar angolano, passa pela concertação inclusiva, para o reordenamento estrutural do Estado, porque é na forma e natureza exclusivista do poder de Estado que, reside a causa da guerra. Senão vejamos. 

Para além das situações conjunturais que, no passado determinaram opções ideológicas e alinhamentos subordinados a estratégias hegemonistas exógenas. Para além das componentes etnicistas e raciais que, originalmente consubstanciaram os vários quadros sociológicos de recurso, para o engajamento de linhagens notáveis e a consequente influencia na mobilização de bases sociais populares, a partir de proximidades culturais, no plano endógeno, a causa mais profunda e primeira do conflito angolano, desde as suas origens, é a desviante obsessão pela aquisição e ou manutenção exclusivista do poder que, estabeleceu a guerra entre os líderes e as três organizações nacionalistas que em Angol! a lutaram pela independência. 

Obter a (desconseguida) eliminação e ou a subjugação, dos outros nacionalistas para, conseguir depois de afastados os colonialistas, tomar sozinho as rédeas da governação do País, submetendo tudo e todos ao seu projecto, constituiu o objectivo pessoal dos líderes e dos respectivos partidos que, sempre sobrepuseram essa ambição obsessiva, aos superiores interesses e necessidades dos Povos e cidadãos de Angola. 

A concretização dessas ambições pessoais-partidárias, foram realizadas primeiro, com o estabelecimento de uma ordem estrutural hiper centralista/chefialista das respectivas organizações que, depois, foi reproduzida pelo (vencedor da disputa) MPLA, num ordenamento estrutural do estado, que, acima de tudo garantiu o exercício exclusivista do poder. 

É assim que, se instala uma ditadura pessoal/partidária/estatal, reproduzindo as referências orgânicas e o enquadramento político.ideológico do MPLA, que, se serviu da institucionalização da doutrina socialista, mais como conveniente justificação da opção pelo exclusivista modelo monopartidário, do que por convicção vocacionada para, concretizar os nobres objectivos revolucionários, preconizados por essa doutrina. 

Como prova da justeza dessa análise, considere-se entre outros os seguintes aspectos: 

(i) A frustrada e paternalista (porque substitutiva) vocação, de resolver os problemas do povo, por via duma governação que, ao contrário das metas preconizadas pelos seus programas, só conseguiu colocar-nos na cauda mundial do desenvolvimento humano e económico, mas que em contrapartida, durante 25 anos só tem servido para a manutenção do poder político. Tudo porque, deixar- a nós próprios resolver livremente os nossos problemas, significa perder o exclusivismo por cedência de poder. È isto que deve ser mudado!. 

(II.) A presença, de um centralista, ineficiente, aparelho administrativo, chefiado na base da delegação avalizada pelo partido/chefe, de vocação controlista em vês de desenvolvimentista, financeiramente parente pobre das estruturas estatais militares, dos orgãos de propaganda e dos serviços de segurança do estado, que em conjunto, formam o aparelho estrutural predestinado para a frustrada edificação de um estado nação forte. É isto que deve ser mudado! 

(iii) Ainda hoje, depois de instituídos, o estado de direito e o pluripartidarismo, a manutenção da submissão do estado, à chefia pessoal-partidária exclusivista que, de facto subordina todas as estruturas estatais sectoriais e regionais, às opções do maiór entronizado no topo de uma estrutura piramidal, cuja natureza tem com intrínseco, servir-se dos cidadãos em vês de os servir, porque deles não emana e que, em consequência gera e perpétua conflitos. É isto que deve ser mudado! 

Estes aspectos/situações, são factos, estão aí e todos nós que, a ele submetidos os vivenciamos e aqueles que, com olhos de ver acompanham e analisam o processo angolano, conhecem-nos bem e não os podem escamotear, para desviarem a nossa atenção da necessidade de construção dum Estado consensual, gerador de harmonia em vez de conflitos e guerras.. 

Qualquer analista lúcido e descomprometida, conclui que: 

(i) o exclusivista ordenamento estrutural do partido-estado, enquanto gerador de conflito, foi no passado e é hoje, a principal das causas profundas da guerra: 

(ii) só servirão para, manter vivas as causas do conflito e perpetuar a guerra, agendas que, não preconizem uma concertação angolana sobre o ordenamento estrutural do estado que: 

(a) separe e de facto descentralize nas regiões os poderes político, legislativo e judicial, 

(b) garanta a alternância do poder a nível local, regional e nacional, 

(c) implante uma justiça séria,

(d) estabeleça uma informação livre e que, 

(e) estabeleça garantias para uma distribuição mais justa e honesta possível dos rendimentos do País. 

Quaisquer "agendas de salvação", desviadas da realização dessas premissas, apenas resultarão na manutenção do conflito actual, na geração de novos conflitos, na subjugação/humilhação dos povos e dos cidadãos angolanos, acarretando em consequência, o adiamento da nossa existência como cidadãos de facto livres e dedicados de forma plena ao desenvolvimento harmonioso de Angola. 

Não queremos meia paz, queremos paz inteira, porque queremos liberdade total para todos! 

Luis Araújo 

Pacifista apartidário

Última actualização/Last update 10-05-2001